terça-feira, 24 de maio de 2016

E dizem que ser inteligente é ser capaz de memorizar alguns conceitos...

            A mudança é sempre dolorosa e exige demais de nós. Sempre iremos nos sentir atormentados quando os parâmetros que nos guiavam, e nos ajudavam a possuir uma perspectiva exata sobre as coisas, simplesmente são pulverizados, sucumbindo a um novo arranjo que nos mostra o quanto aquilo em que acreditávamos era incoerente, irreal, obrigando-nos a adquirir uma nova interpretação para as coisas, obrigando-nos a alterar nossa estrutura particular e subjetiva, e, consequentemente, alterando nossos desejos, metas, preferências, reações, comportamento... sendo mais específico: alterando-nos por completo.
            Durante os períodos de mudança, onde uma alteração conceitual faz com que passemos a observar as coisas de uma forma completamente diferente – fazendo com que o mundo adquira nuances nunca antes imaginadas por nós –, constantemente nos sentimos irremediavelmente desesperados, aspecto esse que incita atitudes intensas, resoluções violentas. É somente nesses períodos de mudança que percebemos o quanto nossos mecanismos de proteção são importantes; apenas nos momentos mais sombrios e desesperadores – onde uma nova concepção, falha e mal estruturada, não impede que nossa imaginação crie os cenários mais deploráveis, insuportavelmente assustadores – que percebemos o quanto são indispensáveis nossas ilusões e interpretações capciosas, que visam, a todo custo, impedir que nos deparemos com tais momentos obscuros e dolorosos.
            Entretanto, quando não estamos devidamente protegidos, ou quando olhamos desatentamente para algo previamente bem elaborado na nossa mente – analisando-o sob novas perspectivas e designando novas possibilidades àquilo que antes era exato e único –, podemos adquirir uma perspectiva completamente nova, que nos mostra aspectos muito mais coerentes do que nossas crenças anteriores, fazendo com que desconstruamos aquilo que anteriormente era considerado como sendo exato, inquestionável e irrefutável.
            Em meio aos destroços de uma mentalidade anteriormente bem definida, torna-se evidente o quanto eram incoerentes e insuficientes as relações que nos pareciam inquestionáveis. Despidas do exagero, provido por nossa imaginação, tudo aquilo que nos motivava e dava sentido torna-se insosso, ridículo. Ao mesmo tempo que percebemos isso, notamos o quanto nosso inconsciente se esforça para estabelecer uma estrutura exata, uma correlação irrefutável, daquilo que percebemos.
            Durante os primeiros dias de desconstrução, cada hora de sono é vista como sendo um alívio abrangente, um momento de salvação perante o desespero sem fim de um mundo desconexo. Ao acordar, nossos pensamentos e conceitos estão bem estruturados e definidos, cada acontecimento passa a ter, novamente, relação com parâmetros bem definidos, bem delimitados, não mais proporcionando associações descontroladas e exageradas. Essa serenidade reconfortante faz com que nos sintamos mais satisfeitos, mais potentes; nosso desejo mais profundo seria a manutenção de tal estado, mas nossa consciência não nos permite isso. Após um breve momento, os parâmetros bem estruturados durante o sono são novamente questionados através de novas perspectivas, fazendo com que, novamente, aquilo que nos guiava seja destruído.
            Um arranjo, antes tão exato, volta a possuir múltiplas interpretações, sendo, através de aspectos discrepantes, desconstruído. Concomitantemente com a perda de nossas estruturas exatas, somos acometidos por pensamentos assustadores, que, na ausência de estruturas exatas e mecanismos de proteção, vagam profundamente, e incessantemente, pela nossa mente.
            Os cenários com os quais nos deparamos, que foram analisados pela nossa imaginação, parecem ser milhões de vezes mais dolorosos do que a morte, incitando, desse modo, o desejo de que a dor dilacerante se encerre com o suicídio. Essa alternativa é intrínseca a uma mentalidade exímia em desconstruir, sendo, muitas vezes, a única saída possível para o desespero sem fim. Mas, mesmo essa única solução pode gerar ainda mais dor... Ao se propor a executar a única solução satisfatória, a mente, que desenvolve cenários e consequências em lugares situados muito além do nosso controle e consciência, elabora consequências para esse ato que nos deparemos com cenários mais dolorosos e desesperadores do que aqueles que nos incomodavam anteriormente.
            Todo esse conflito interno, toda essa dor, incita todo tipo possível solução que promete amenizar e afugentar aquilo que nos atormenta. Isso, que considerar como uma válvula de escape, geralmente é direcionado para a sexualidade, não sendo essa, necessariamente, a única alternativa para que façamos com que o cenário em nossa mente se torne menos assustador.
            Após essa breve análise sobre a desconstrução de nossos ideais, não é de se espantar que as pessoas afugentem, com todas as suas forças, qualquer tipo de conceito ou questionamento que destrua suas crenças, seus conteúdos bem definidos que as direcionam durante a vida.