segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Ambivalência

Minha mente pensa com lógica,
Mas o coração dispensa a razão.
Respiração acelera,
Mas o olhar muda de direção.
Arrepio que se espalha,
Vontade que assusta;
Querer
E não querer,
Medo de se entregar,
Alegria em te ver.
É difícil entender.

Sem qualidades

Vazio, cheio de oportunidades.
Um homem de possibilidades
Com realidades à distância da própria vontade.

Sempre relativo e evolutivo
Nunca parado e seguindo,
Ou copiando e se escondendo,
Mas sim acordado e vivendo.

Enxergando simplesmente como a vida é,
Destituído de ilusões,
Com um sentimento puro e verdadeiro de existência.
Esse mero acaso,
Sem porquê ou pra quê;
Sem o que devo ser,

Mas alguns insistem em não enxergar,
Encolhendo, apagando o que é bonito,
Limitando o que era vasto,
Restringindo esse infinito.

Apesar de alguns isso perceber,
Medíocres continuam a ser.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Vazio

            Desde cedo eu me esforcei muito para não aprender nada, para não ser influenciado por nada, para que, finalmente, eu me tornasse capaz de aprender qualquer coisa, de desejar qualquer coisa.

Enxergando como um ser social

            O pai comprimia, com o pé, o rabo de um pequeno rato, que se debatia desesperadamente, pressentindo a iminência de sua morte. Próximo ao rato, um garoto, de idade em torno de 11 anos, permanecia imóvel e assustado, observando apreensivo à cena.
            O ambiente onde ocorria esse acontecimento havia se tornado desimportante, encontrando-se praticamente ausente, restando, como referência, apenas os pisos brancos, que pareciam ser de uma cozinha; esse único detalhe perceptível apenas era possível por causa do rato, que, de cor cinza escuro, se tornava ainda mais evidente, quando se debatia sobre o piso branco.
            Ignorando o olhar assustado do garoto, o pai se inclinou até ele e o aproximou ainda mais do rato.
            — Olhe para mim, olhe para mim — disse com um tom de voz autoritário — Hoje irei lhe ensinar uma valiosa lição. É preciso que se concentre; que deixe fluir sua imaginação, que, por sinal, é formidável, e capaz de construir cenários e personalidades complexas; e faça tudo o que eu disser. Tudo bem?
            Ainda assustado, o filho foi incapaz de responder, olhando aterrorizado para o pai, tentando pronunciar as palavras que insistiam em permanecer ocultas.
            — Não tenha medo, meu filho. Essa lição é de suma importância, e será muito útil em sua vida, isso eu posso lhe garantir.
            O garoto se sentiu mais confiante com as palavras obstinadas do pai, fazendo com que consentisse, com a cabeça, gesto esse que agradou o pai, que prosseguiu com a experiência que estava disposto a proporcionar ao filho.
            — Agora feche os olhos. Imagine-se como um ser único no mundo, todo o resto, externo a ti, é inanimado, uma ilusão. O mundo existe em função apenas de ti, e nada mais; você é o único ser de verdade nesse mundo, sem você nada disso existiria, tudo ocorre em função de você, é referente a você. Nada além de ti tem sentimentos, ou uma personalidade, ou objetivos, medos, etc.; tudo o que existe está presente apenas em função de você, o mundo não existiria se não fosse por sua causa — disse o pai com sua voz convicta, sem hesitação — Consegue se imaginar como sendo um ser desses?
            O garoto consentiu com a cabeça. O par, então, continuou a falar.
            — Abra os olhos, filho. Agora lhe peço que continue a imaginar que você é uma pessoa desse tipo. Quero que você permita que que essa possibilidade de ser se aproprie de ti, sem restrições, passando a direcionar seus pensamentos e coordenar seus atos. Quero que você estruture seus conceitos de acordo com essas características que citei para você.
            Os dois permaneceram em silêncio por um breve momento. A expressão do filho, anteriormente assustada, havia se transmutado por completo; agora ele possuía uma feição imponente, convicta, que não mais demonstrava toda a sua insegurança anterior, o medo de alguns momentos antes. Seu olhar anteriormente passivo e analítico, agora era tomado por um direcionamento convicto, inabalável, que demonstrava a presença de uma interpretação específica para as coisas, que era aplicada independentemente daquilo que era observado, aquilo que se apresentava, externamente.
            — Meu filho — disse o pai se ajoelhando, ainda mantendo o rato preso pelo rabo, e se aproximando ainda mais do filho — Eu lhe forneci informações que agora lhe permitem enxergar o mundo da maneira que a maioria das pessoas, e dos animais, o vê. Eu fiz isso não para que você adquira uma perspectiva igual a essa, mas muito pelo contrário. Nós somos seres evoluídos, situando-nos em um patamar onde não existe qualquer tipo de mesquinharia, ou parâmetros primitivos e animalescos. No entanto, não quero ser eu o responsável por criar um bobo, que, por causa da inexistência de aspectos egoístas em sua mente, não consegue enxergar as ações mesquinhas, egoístas e abjetas das pessoas; é preciso que você consiga produzir, em seu espírito, não só a bondade, mas também a perversidade, a fim de você seja capaz de identificá-la nas pessoas com quem você irá se relacionar ao longo de sua vida; afinal, nós apenas identificamos aquilo que esteja, de algum modo, presente dentro de nós.
            O filho absorveu cada palavra daquele discurso, alojando-as em sua mente, de forma abrangente e profunda. O pai, quando percebeu a rápida assimilação daquilo que ensinava ao garoto, sorriu satisfeito, e continuou com a lição que pretendia ensinar ao filho.
            — Ainda mantendo essa personalidade recém-criada, esmague esse rato, sem dó. Ele não é nada, só você existe.

            O garoto direcionou um olhar indiferente ao rato, ergueu o máximo que pôde sua perna direita e pisou, violentamente, no rato, três vezes.