O
pai comprimia, com o pé, o rabo de um pequeno rato, que se debatia
desesperadamente, pressentindo a iminência de sua morte. Próximo ao rato, um
garoto, de idade em torno de 11 anos, permanecia imóvel e assustado, observando
apreensivo à cena.
O
ambiente onde ocorria esse acontecimento havia se tornado desimportante,
encontrando-se praticamente ausente, restando, como referência, apenas os pisos
brancos, que pareciam ser de uma cozinha; esse único detalhe perceptível apenas
era possível por causa do rato, que, de cor cinza escuro, se tornava ainda mais
evidente, quando se debatia sobre o piso branco.
Ignorando
o olhar assustado do garoto, o pai se inclinou até ele e o aproximou ainda mais
do rato.
—
Olhe para mim, olhe para mim — disse com um tom de voz autoritário —
Hoje irei lhe ensinar uma valiosa lição. É preciso que se concentre; que deixe
fluir sua imaginação, que, por sinal, é formidável, e capaz de construir
cenários e personalidades complexas; e faça tudo o que eu disser. Tudo bem?
Ainda
assustado, o filho foi incapaz de responder, olhando aterrorizado para o pai,
tentando pronunciar as palavras que insistiam em permanecer ocultas.
—
Não tenha medo, meu filho. Essa lição é de suma importância, e será muito útil
em sua vida, isso eu posso lhe garantir.
O
garoto se sentiu mais confiante com as palavras obstinadas do pai, fazendo com
que consentisse, com a cabeça, gesto esse que agradou o pai, que prosseguiu com
a experiência que estava disposto a proporcionar ao filho.
—
Agora feche os olhos. Imagine-se como um ser único no mundo, todo o resto,
externo a ti, é inanimado, uma ilusão. O mundo existe em função apenas de ti, e
nada mais; você é o único ser de verdade nesse mundo, sem você nada disso
existiria, tudo ocorre em função de você, é referente a você. Nada além de ti
tem sentimentos, ou uma personalidade, ou objetivos, medos, etc.; tudo o que
existe está presente apenas em função de você, o mundo não existiria se não
fosse por sua causa — disse o pai com sua voz convicta, sem hesitação —
Consegue se imaginar como sendo um ser desses?
O
garoto consentiu com a cabeça. O par, então, continuou a falar.
—
Abra os olhos, filho. Agora lhe peço que continue a imaginar que você é uma
pessoa desse tipo. Quero que você permita que que essa possibilidade de ser se
aproprie de ti, sem restrições, passando a direcionar seus pensamentos e coordenar
seus atos. Quero que você estruture seus conceitos de acordo com essas
características que citei para você.
Os
dois permaneceram em silêncio por um breve momento. A expressão do filho,
anteriormente assustada, havia se transmutado por completo; agora ele possuía
uma feição imponente, convicta, que não mais demonstrava toda a sua insegurança
anterior, o medo de alguns momentos antes. Seu olhar anteriormente passivo e
analítico, agora era tomado por um direcionamento convicto, inabalável, que
demonstrava a presença de uma interpretação específica para as coisas, que era
aplicada independentemente daquilo que era observado, aquilo que se
apresentava, externamente.
—
Meu filho — disse o pai se ajoelhando, ainda mantendo o rato preso pelo
rabo, e se aproximando ainda mais do filho — Eu lhe forneci informações
que agora lhe permitem enxergar o mundo da maneira que a maioria das pessoas, e
dos animais, o vê. Eu fiz isso não para que você adquira uma perspectiva igual
a essa, mas muito pelo contrário. Nós somos seres evoluídos, situando-nos em um
patamar onde não existe qualquer tipo de mesquinharia, ou parâmetros primitivos
e animalescos. No entanto, não quero ser eu o responsável por criar um bobo,
que, por causa da inexistência de aspectos egoístas em sua mente, não consegue
enxergar as ações mesquinhas, egoístas e abjetas das pessoas; é preciso que
você consiga produzir, em seu espírito, não só a bondade, mas também a
perversidade, a fim de você seja capaz de identificá-la nas pessoas com quem
você irá se relacionar ao longo de sua vida; afinal, nós apenas identificamos
aquilo que esteja, de algum modo, presente dentro de nós.
O
filho absorveu cada palavra daquele discurso, alojando-as em sua mente, de
forma abrangente e profunda. O pai, quando percebeu a rápida assimilação
daquilo que ensinava ao garoto, sorriu satisfeito, e continuou com a lição que
pretendia ensinar ao filho.
—
Ainda mantendo essa personalidade recém-criada, esmague esse rato, sem dó. Ele
não é nada, só você existe.
O
garoto direcionou um olhar indiferente ao rato, ergueu o máximo que pôde sua
perna direita e pisou, violentamente, no rato, três vezes.
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