quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Definindo as sensações

            Reservo um breve momento do dia de hoje para transmitir alguns de meus pensamentos para o papel, para dar forma às minhas percepções, para transferi-los, para expressá-los, desse modo tirando-os das profundezas obscuras e desconhecidas da minha mente, onde tudo é exagerado e intenso, e os desenvolvendo em um ambiente racional, palpável, que me permite fornecer uma dimensão real — ou, pelo menos, que se aproxime da realidade — para tudo aquilo que percebo e que sinto.
            Todas as minhas numerosas impressões, que percorrem minha mente com um ritmo alucinado, são desenvolvidas quase que inteiramente através de pensamentos irracionais, que estabelecem conexões absurdas, exageradas e muito, mas muito mesmo, aquém da realidade. Tendo como base esses pensamentos irreais, que me acompanham desde sempre, sinto, quase que constantemente, uma vontade impulsiva de falar sobre os aspectos que me amedrontam, que entorpecem minha mente e deixam meu corpo em estado de alerta, fazendo jorrar o medo mais assustador, por todos os meus órgãos. Essa necessidade descontrolada de falar, está relacionada com a vontade de estabelecer uma perspectiva mais realista para tudo aquilo que sinto, dessa maneira estabelecendo uma interpretação mais condizente com o verdadeiro aspecto das coisas, fazendo com que todas as minhas interpretações errôneas sejam reestruturadas, fazendo com que o pensamento racional altere todos os pensamentos incrivelmente absurdos, que minha mente sempre se mostrou exímia em criar.
            Entretanto, é muito raro encontrarmos alguém com quem possamos conversar sobre nossos pensamentos mais profundos, é incrivelmente raro encontrarmos pessoas que são de confiança e que nos permitirão expressar tudo aquilo que se passa na nossa mente.
            Tendo em vista essa impossibilidade de comunicação, esforço-me para encontrar outras formas de racionalização de minhas impressões, sendo elas solitárias e não dependendo da presença de outrem. Após algumas tentativas infrutíferas, finalmente fui capaz de encontrar a forma de racionalização que melhor me permite relacionar e externalizar minhas impressões; essa atividade, que se tornou de suma importância para mim, é a escrita.
            Almejando estabelecer uma interpretação coerente e racional para os meus desenvolvimentos inconscientes, fico, pelo menos uma hora por dia, escrevendo sobre minhas experiências, fico corrigindo minhas interpretações e tornando-as mais reais, mais condizentes com a realidade.

            Essa tarefa constante, e extremamente satisfatória, proporciona satisfações que antes me eram inimagináveis. Ultimamente, posso dizer que meu espírito se aproximou, e muito, da realidade das coisas, equiparando-se a fenômenos e situações que observo, dessa forma fazendo com que eu possua uma intuição muito realista, permitindo-me utilizar meu intelecto como uma oficina, como um laboratório, onde analiso as mais variadas perspectivas, desenvolvendo-as em todos os seus aspectos, característica essa que acelera minha definição de conceitos, que potencializa minhas experiências, e me  permite possuir uma imaginação empírica, bem próxima da realidade, onde posso analisar qualquer parâmetro, ou aspecto, da minha vida.

Angústia desnecessária

            À cada novo trabalho sinto-me, em parte, receoso, preocupado. Esse sentimento parece surgir em função da possibilidade de me encontrar perante um cenário que irá me reduzir, que irá me fazer sentir impotente, diminuto. Por causa dessa minha linha de pensamento, busco não estender meus escritos em demasia, o que me permite evitar deparar-me com um cenário que me fará sentir impotente; o mesmo ocorre durante minhas leituras, não as estendo por medo de me deparar com situações que sou incapaz de entender de imediato.
            Percebendo esse meu receio profundo, tentei analisá-lo mais pormenorizadamente, almejando observá-lo em outras situações da minha vida. Após uma longa análise, percebi que esse receio é uma característica intrínseca em mim, presente em todas as situações da minha vida.

            Esse medo de reduzir-se, essa impotência relacionada a novas atividades, que exigem um novo arranjo de nossas concepções e que, a princípio, nos fazem sentirmo-nos reduzidos e deslocados, talvez seja a principal característica que nos faz evitar o novo, que nos desestimula a empenharmo-nos profundamente a uma tarefa.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Um ambiente complexo exige um ser complexo

          
                 Minhas análises são complexas, abrangentes e ininterruptas; desde sempre me esforcei para fortalecer o meu espírito, e hoje posso considerá-lo forte, imponente, inabalável, incansável.
            Em cada nova tarefa, em cada novo ambiente ou situação, que exigem uma construção conceitual quase que completa, não me sinto cansado, aterrorizado, ou impotente, acuado, com minha alma se tornando diminuta e insegura, a ponto de introduzir em minha mente o desespero profundo e insuportável, que abastecia meu corpo com uma energia proveniente das profundezas do intelecto, e que era direcionada, com violência, a uma tarefa que prometia, ao menos em minha mente, expandir minha alma, até que essa atingisse as dimensões do espírito, dessa forma sanando meu desejo primordial. Essas características, antes tão comuns, tornaram-se parâmetros longínquos, que não mais estão presentes em minha vida, em minhas atitudes.
            Diferenciando-me, por completo, daquele indivíduo que eu era há, o que passou a ser, muito tempo atrás, hoje me sinto completamente separado de uma concepção individual primitiva, anteriormente primordial e inquestionável, que impunha concepções pré-determinadas à minha alma. Sem um direcionamento fisiológico e limitado, sinto-me capaz de estruturar qualquer tipo de arranjo da alma, tornando-a maleável e independente de aspectos físicos, e direcionados estritamente às minhas particularidades, sem levar em consideração parâmetros exteriores a mim.
            Desde que adquiri esse arranjo psíquico, que considero evoluído, tornei-me capaz de sentir aquilo que muitos classificam como sendo o nirvana, a realização do desejo primordial do intelecto. Quando um arranjo de alma não mais me é necessário, eu simplesmente o abandono, deleto, e, por um curtíssimo período de tempo, sinto a satisfação mais sublime, mais perfeita; possuindo a máxima potência possível, sinto-me ocupando toda a dimensão do espírito, sinto-me pleno, em êxtase. Mas esse acontecimento dura muito pouco, logo minha mente estrutura um novo arranjo de alma e me vejo apartado da satisfação mais sublime.
            Durante o retorno do nirvana, o ambiente, no qual estou inserido, e que foi percebido por mim sem filtros, sem deslocamentos, em toda sua intensidade exacerbada, vai sendo reconstruído, e, às vezes, adquiri uma interpretação completamente diferente daquela que anteriormente direcionava e ocupava a minha mente.
            Tendo consciência desse arranjo abrangente, empenho-me, muito raramente, em sentir o nirvana, pois, na maior parte do tempo, encontro-me atarefado, preocupado em estruturar uma alma e um espírito que melhor me situem em meio ao ambiente e aos meus objetivos, tarefa essa que exige uma construção contínua, acumulativa, tornando-a, desse modo, uma estrutura que eu não gostaria de abandonar tão facilmente, ou, melhor dizendo, desnecessariamente.
            Após a elaboração e a implementação de todos esses conceitos, que considero incrivelmente condizentes com tudo aquilo que percebo, que sinto, considero-me detentor de habilidades e de conhecimentos raros, que me permitem tornar-me mais eficiente e abrangente, fazendo com que o cenário complexo e múltiplo da existência, que se aproxima da realidade, não mais seja penoso para mim.

A inundação

Acordei corajoso,
Sentindo meu espírito ansioso
A pulsar, em plena potência,
Com espantosa insistência.

Uma onda selvagem parecia jorrar,
Fazendo meu corpo dançar
Em uma harmonia sublime
Inspirando o aclive,
Que minha alma sempre esteve a desejar,
E que trazia a satisfação invulgar,
Intrínseca.
Satisfazendo, assim, minha única pretensão.
Ah, quanta satisfação!

Sentindo-me expandido,
Em um êxtase sem fim,
Proponho-me uma resolução,
Que me parece a melhor opção.

Sedento de vida,
E me sentindo potente,
Decido o meu ideal pulverizar,
Para que a plenitude da vida
Eu possa enxergar.

Sei que é uma tarefa perigosa,
Repleta de riscos e desespero,
Mas a isso decido ignorar;
Agora que me sinto forte,
A vida quero enxergar,
Em todas as suas nuances,
Percebendo todas as variantes.

Então isso começo a fazer,
Agora que sou forte e não preciso de você.
Está na hora de a vida enxergar!

Repleto de êxtase começo o que me propus fazer,
Minha estrutura principal elimino sem dó,
Dela só resta pó,
E eu me viro entusiasmado
Para olhar o novo cenário.

Ah, situação cruel.
Meu espírito antes imponente
Agora se retraiu,
Implorando pelo retorno
Daquele mundo que me fugiu.

As informações flutuam intensamente,
Trazendo o caos à minha mente.
É muito mais do que aquilo que pensei eu
Ser capaz de lidar.

Minha mente está inundada
E não consigo conectar nada,
Elucidar, ou simplificar, nada.

Tento retornar, desesperadamente,
Mas nem isso sou capaz de realizar.
A vida se expandiu,
E nesse novo mundo não consigo ficar,
E nem para o antigo consigo voltar.
Ó, desespero!
Ó, proposição infeliz!

Maléfica!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Deuses e monstros

            A bondade dele era contagiante, radiante, aconchegante. Sua expressão transmitia uma áurea santa, dotada apenas das qualidades mais nobres, evoluídas e altruístas. A sensação que ele incitava nas pessoas à sua volta eram sempre as melhores, fazendo emergir, das profundezas do intelecto, as melhores características, as impressões mais satisfatórias e belas.
            Sua constituição impecável, que possuía apenas os pensamentos mais belos, encantava as pessoas mais exigentes e sensíveis, que sempre eram as mais belas e inacessíveis.
            A admiração em demasia, que até os seres mais evoluídos nutriam por ele, não veio sem consequências maléficas.
            Todos os seres limitados, egoístas, mesquinhos e de espírito diminuto e preguiçoso, que ansiavam por manter relações unilaterais com aquelas pessoas que encantavam a todos, sentiam-se inferiores ao indivíduo que era estimado por todos, e isso incitava uma onda de ódio que era compartilhada por todas as pessoas mesquinhas. Além disso, os seres limitados se sentiam pessoalmente afrontados por aquele ser que eles tanto odiavam; quando interagiam com ele, sentiam um resquício de indiferença durante o momento em que tentavam expor suas histórias pedantes, que eram contadas com o intuito de impô-los e fazer com que se sentissem superiores a todas as pessoas.
            Nesse contexto, elas analisavam todas as ações daquele ser tão estimado e interpretavam de forma abjeta todos os seus atos, característica essa que lhes permitia construir uma imagem ridícula em suas mentes, desse modo curando seus gigantescos egos, que se sentiam diminuídos e afrontados por aquele ser.

            Amado por poucos e odiado por quase todos; essa é a sina dos santos.

Passaremos a nascer de um dogma?

            Camus faz com que o absurdo que nossa existência se torne uma região satisfatória e agradável da nossa existência, quando, na verdade, o vazio sempre atormentou a todos, chegando até mesmo a fazer Dostoiévski dizer que no futuro o homem nascerá de uma ideia, dessa forma não tendo a infelicidade de presenciar o desespero que está presente no vazio da existência; ao mesmo tempo, Freud afirma que, no futuro, a humanidade ampliará, ainda mais, sua alma, seus mecanismos de proteção e deslocamentos, passando a aceitar, prontamente, os parâmetros existenciais que nos são impostos. Além dessas declarações, muitos outros autores se depararam com o mesmo desespero, que sempre incomodou a humanidade. No entanto, Camus apresenta sua proposta para a existência, e a faz parecer simples, de fácil aplicação, proposição essa que a literatura e as nossas experiências refutam facilmente. Mas, mesmo com a distância entre o que é exposto por Camus e a realidade e as nossas projeções — que muitas vezes nos atrapalham —, os argumentos expostos no livro são válidos e muito interessantes; a vida, de acordo com os parâmetros de Camus, seria realmente incrível, realmente consciente e evoluída. É preciso que nos arrisquemos, com o intuito de adquirirmos uma existência consciente e evoluída, nem que para isso seja necessário enlouquecermos; é preciso que exploremos a vida e que consigamos viver na realidade, o futuro da humanidade não pode, em hipótese alguma, ser a cegueira.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

As reuniões

 

            Ele não se importava nem um pouco consigo mesmo; sem vaidade, sem objetivos egoístas e sem uma alma estreita e imutável ele vagava pela vida. Seu olhar evidenciava, prontamente, toda a sua singularidade incomum, rara. Sua capacidade de observação era incrivelmente abrangente e exata, permitindo-o perscrutar profundamente os assuntos aos quais direcionava sua atenção, características essas que o permitiam compreender muito mais do que o normal.
            Seus diagnósticos precisos, dignos de alguém que enxerga mais e melhor, eram valorizados por todos. Aqueles que constantemente pediam conselhos para ele, diziam presenciar o funcionamento de uma mentalidade totalmente diferente de tudo que eles já tinham visto.
“Esse homem raro não possui ideais, nem parâmetros pré-definidos, nem uma alma exata, nem mecanismos de proteção. Com certeza esses são os motivos que o permite enxergar mais e melhor.” Era o que as pessoas mais observadoras e inteligentes comentavam. Em alguns casos, também raros, seres observadores, inteligentes e corajosos tinham contato com o ser incomum, e suas impressões eram, mais ou menos, essas: “Como pode ele pulverizar todos os ideais, eliminar todo tipo de ópio da existência e ainda viver em completa paz, sem demonstrar nenhum resquício de desespero, de dor profunda? Quais serão os seus segredos? Qual será a sua maneira de pensar, que o permite ser tão perfeito?”
Essas perguntas inquietavam as pessoas mais evoluídas, fazendo com que elas se reunissem e discutissem sobre a forma de ser daquele ser raro.
Nessas reuniões, que a princípio ocorriam esporadicamente, os integrantes contavam com algumas informações para serem analisadas. Os participantes mais entusiasmados haviam pedido para o homem raro que lhes explicasse como ele era capaz de ser tão perfeito. Atendendo aos pedidos que lhe eram feitos, o homem raro tentou explicar sua forma de pensar, sua forma de ser, mas essa tarefa foi ineficiente; suas características eram muito incomuns, o que impediu que seus ouvintes fossem capazes de assimilar alguma informação. Então, percebendo a ineficiência de suas descrições, o homem raro se propôs a escrever, de forma detalhada, sobre suas características psicológicas e seus conceitos.
Os escritos eram recolhidos uma vez por semana e eram analisados, contando com a colaboração do maior número possível de pessoas que poderiam contribuir intelectualmente, nas reuniões, que passaram a ocorrer regularmente, sempre sendo marcadas após o recebimento de um novo escrito. Especialistas em todas as áreas tentavam entender as características que tornavam aquele homem incomum.
Mesmo contando com a ajuda das mais variadas mentalidades, as reuniões se mostraram improdutivas. As pessoas obtinham poucas informações dos escritos, e isso frustrou todos que se empenhavam para desvendar os mistérios mais profundos da existência.
Por fim, eles determinaram que o homem incomum não possuía alma, ou, melhor dizendo, não possuía um ego que representava nada além do que ele mesmo. Eles também determinaram que a mente do homem raro possuía uma força incomum, permitindo-o reconstruir seu espírito a todo o momento, sem que essa característica, que é assustadora e exaustiva para a maioria das pessoas, o incomodasse ou consumisse por completo suas forças. Eles determinaram, também, que as construções do espírito, que eram constantes, não eram capciosas ou direcionadas para alguma crença, elas simplesmente interpretavam, de modo fidedigno, as impressões, as sensações.
A pequena quantidade de definições frustrava todos os integrantes das reuniões, que possuíam 800 páginas de escritos, das quais não conseguiam compreender praticamente nada.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Flutuante

            Ela direcionou o seu olhar vazio na direção do homem que parecia estar se sentindo entediado. Rodeada por pessoas que se esforçavam muito para manterem semblantes alegres e simpáticos, ela ficou espantada quando viu aquela expressão que demonstrava tédio, que não se preocupava com o que pensariam as pessoas à sua volta, que não se esforçava para simular qualquer tipo de expressão facial que demonstrasse satisfação, interesse.
               Sem conseguir deixar de prestar atenção nele, ela se ausentou das conversas dos seus amigos e se concentrou para ser capaz de observar todos os gestos daquele homem indiferente, com o intuito de entende-lo, de decifrá-lo.
            Mesmo se desvencilhando de qualquer coisa à sua volta que pudesse distraí-la de sua empreitada, ela não foi capaz de deduzir nada sobre o homem que ela observava. Os inúteis quinze minutos de observação — tempo esse que passou rápido e apenas deixou a impressão de um breve momento — só serviram para deixá-la ainda mais curiosa, mais apreensiva, ansiosa para descobrir a mentalidade daquele homem entediado e de olhar vazio. Mesmo se sentindo hipnotizada pelos gestos intensos e despreocupados dele, ela se esforçou para abandonar aquela observação intensa e se concentrou em tentar encontrar uma forma de falar com aquele homem, de tentar ter uma interação mais eficiente com ele, que a permitiria entendê-lo.
            Naquele momento, enquanto tentava imaginar a melhor possibilidade que a permitiria falar com ele, ela percebeu um princípio de construção de um ideal, característica essa que ela tanto repugnava e que se esforçava para ser capaz de controlar. Sentindo sua mente começar a criar perspectivas exageradas, ela se esforçou ainda mais para elaborar uma maneira de conversar com aquele homem e eliminar, já no início, aquela construção exagerada, que, inconscientemente, a mente dela sempre fazia.
            Após alguns pensamentos improdutivos, ela viu o homem se levantar e ir em direção ao banheiro. Sentindo-se incapaz de formular algo mais elaborado, ela decidiu iniciar uma conversa quando o homem saísse do banheiro. Com o intuito de realizar aquilo à que ela havia se propôs, direcionou seu olhar para a saída do banheiro masculino, enquanto se ajeitava de acordo com a melhor maneira de se levantar rapidamente e sair de onde estava, para conseguir conversar com aquele que ela já começava a valorizar exageradamente, antes que ele chegasse até a mesa onde estava sentado.
            Enquanto olhava ansiosamente para a porta do banheiro, ela não conseguia evitar olhar constantemente para o relógio, para ter uma noção de quanto tempo fazia que aquele homem havia entrado, o que a permitiria possuir um parâmetro com o qual poderia fazer uma estimativa, um tanto imprecisa, do momento em que ele iria sair. Olhando para a porta do banheiro e em seguida para o relógio, em um ritmo quase cíclico, ela teve a sensação de que a hora não passava; os dois minutos que haviam se passado, desde que o homem havia entrado no banheiro, pareciam ter demorado uma eternidade. Ela teve a impressão de que o tempo havia parado, impressão essa que era muito diferente a alguns momentos antes, quando estava distraída, observando atentamente um indivíduo específico, atitude essa que a desvencilhou do turbilhão de informações e impressões contidas no ambiente à sua volta; após essa constatação inicial, ela teve um insight poderoso; nele ela foi capaz de identificar o porquê de o tempo ser tão relativo em nosso dia-a-dia. “Em alguns momentos ele passa devagar, em outros ele voa, e todas essas nossas impressões sobre o tempo não passam de situações onde estamos muito distraídos com algo, a ponto de diminuirmos a quantidade de informação que absorvemos, ou situações onde não conseguimos nos distrair e ficamos olhando, sem um direcionamento, para tudo à nossa volta, absorvendo uma quantidade absurda de informação, característica essa que nos causará a impressão de que o tempo passou rápido, quando, na verdade, nossa mente simplesmente comparou a quantidade de informação absorvida e considerou, utilizando como referencia uma percepção menos turbulenta, que nos é mais comum, que um determinado período de tempo passou, analogia essa  que é completamente errônea; o tempo não passa devagar nesses momentos, nós simplesmente absorvemos mais informações do que o que consideramos normal. Sem um elemento que direcionasse a minha atenção e me fizesse ignorar a grande quantidade de impressões à minha volta, eu me deparei com vários acontecimentos que teriam passado despercebidos. Por causa da grande quantidade de informação, eu tinha a impressão de que o tempo havia passado, mas, quando olhava para o meu relógio, ele não havia passado, parecia estar estagnado.”

            Com o surgimento daquela nova linha de pensamento, ela se esforçou para elaborar uma interpretação banal para o homem que havia impressionado ela, desse modo tornando-se capaz de desconstruir tudo aquilo que sua mente começava a atribuir a ele. Não mais se concentrando em entender aquele homem, ela começou a se concentrar em desenvolver o seu insight sobre a impressão das pessoas com relação à percepção da passagem do tempo.

Esgotar-se

         Escrever é desenvolver a consciência, é um exercício que nos permite classificar as nossas impressões, proporcionando-nos a incrível realização de sermos capazes de identificar, de forma mensurável e legível, as nossas sensações.
            Enquanto escrevemos vamos analisando a situação que nos propomos a descrever sob várias perspectivas. Durante esse processo múltiplo, em busca de uma definição que melhor se relacione com o acontecimento, vamos testando interpretações, vamos acelerando nossas vivências e a verificação das possibilidades e dos aspectos da nossa vida, até encontrarmos uma explicação exata, que nos aparenta ser capaz de abarcar tudo o que percebemos, dessa maneira aproximando-nos do entendimento da verdadeira forma de ser de todas as coisas.

Mais que humano

De tudo que me encanta eu almejo me afastar; de tudo que me repugna eu anseio me aproximar. A mente deve ser treinada, aprimorada, e esse entender-se e controlar-se deve ocorrer sempre e sempre e sempre! Ser humano nunca foi o suficiente para mim.