Ele
não se importava nem um pouco consigo mesmo; sem vaidade, sem objetivos
egoístas e sem uma alma estreita e imutável ele vagava pela vida. Seu olhar
evidenciava, prontamente, toda a sua singularidade incomum, rara. Sua
capacidade de observação era incrivelmente abrangente e exata, permitindo-o perscrutar
profundamente os assuntos aos quais direcionava sua atenção, características
essas que o permitiam compreender muito mais do que o normal.
Seus
diagnósticos precisos, dignos de alguém que enxerga mais e melhor, eram
valorizados por todos. Aqueles que constantemente pediam conselhos para ele,
diziam presenciar o funcionamento de uma mentalidade totalmente diferente de
tudo que eles já tinham visto.
“Esse homem raro
não possui ideais, nem parâmetros pré-definidos, nem uma alma exata, nem
mecanismos de proteção. Com certeza esses são os motivos que o permite enxergar
mais e melhor.” Era o que as pessoas mais observadoras e inteligentes
comentavam. Em alguns casos, também raros, seres observadores, inteligentes e
corajosos tinham contato com o ser incomum, e suas impressões eram, mais ou
menos, essas: “Como pode ele pulverizar todos os ideais, eliminar todo tipo de ópio
da existência e ainda viver em completa paz, sem demonstrar nenhum resquício de
desespero, de dor profunda? Quais serão os seus segredos? Qual será a sua
maneira de pensar, que o permite ser tão perfeito?”
Essas perguntas
inquietavam as pessoas mais evoluídas, fazendo com que elas se reunissem e
discutissem sobre a forma de ser daquele ser raro.
Nessas reuniões,
que a princípio ocorriam esporadicamente, os integrantes contavam com algumas
informações para serem analisadas. Os participantes mais entusiasmados haviam
pedido para o homem raro que lhes explicasse como ele era capaz de ser tão
perfeito. Atendendo aos pedidos que lhe eram feitos, o homem raro tentou
explicar sua forma de pensar, sua forma de ser, mas essa tarefa foi
ineficiente; suas características eram muito incomuns, o que impediu que seus
ouvintes fossem capazes de assimilar alguma informação. Então, percebendo a ineficiência
de suas descrições, o homem raro se propôs a escrever, de forma detalhada,
sobre suas características psicológicas e seus conceitos.
Os escritos eram
recolhidos uma vez por semana e eram analisados, contando com a colaboração do
maior número possível de pessoas que poderiam contribuir intelectualmente, nas
reuniões, que passaram a ocorrer regularmente, sempre sendo marcadas após o
recebimento de um novo escrito. Especialistas em todas as áreas tentavam
entender as características que tornavam aquele homem incomum.
Mesmo contando
com a ajuda das mais variadas mentalidades, as reuniões se mostraram
improdutivas. As pessoas obtinham poucas informações dos escritos, e isso
frustrou todos que se empenhavam para desvendar os mistérios mais profundos da existência.
Por fim, eles
determinaram que o homem incomum não possuía alma, ou, melhor dizendo, não
possuía um ego que representava nada além do que ele mesmo. Eles também determinaram
que a mente do homem raro possuía uma força incomum, permitindo-o reconstruir
seu espírito a todo o momento, sem que essa característica, que é assustadora e
exaustiva para a maioria das pessoas, o incomodasse ou consumisse por completo
suas forças. Eles determinaram, também, que as construções do espírito, que
eram constantes, não eram capciosas ou direcionadas para alguma crença, elas
simplesmente interpretavam, de modo fidedigno, as impressões, as sensações.
A pequena
quantidade de definições frustrava todos os integrantes das reuniões, que
possuíam 800 páginas de escritos, das quais não conseguiam compreender
praticamente nada.
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