A empresa Oleto
se preparava para um momento crucial de sua breve existência. A sociedade
limitada, que foi fundada há 7 anos e era especializada em processos de
automação inovadores — sendo a logística ousada, que integrava vários setores
da empresa, o principal diferencial. Mesmo com essa vantagem comercial
gritante, que reduzia em larga escala o tempo de realização dos serviços, a
empresa vivenciava um momento tenebroso.
A ampliação de um dos setores,
durante um momento econômico de recessão prolongada, havia reduzido
drasticamente o caixa; atrelado a essa redução exagerada, a companhia não
conseguia atrair novos clientes, novos projetos, fazendo com que os fluxos de
caixa se tornassem cada vez menores, obrigando os dirigentes a realizarem
massivos cortes de gastos, que incluíram demissões, reduções de cargas
horárias, racionamentos e reengenharia de processos.
Mesmo com a redução dos gastos, a
empresa não conseguiria se manter viva por muito tempo. A única esperança
consistia na entrada de um grande serviço, que estava sendo orçado e exigia
muito esforço por parte da reduzida equipe da Oleto.
O possível cliente, que era uma
multinacional de destaque, deixava clara a realização de múltiplos orçamentos,
com diferentes empresas. Esse fator aumentava, por si só, o nível de exigência
requerido aos funcionários. Entretanto, para agravar ainda mais o estresse que
a situação gerava, o possível cliente exigia a realização de tarefas e
apresentações periódicas, sendo elas as principais responsáveis por determinar
quem iria produzir o serviço grandioso.
Os setores de programação e hardware
se preparavam para uma apresentação conjunta, de extrema importância, que, de
acordo com os representantes da multinacional, seria a etapa decisiva em se
tratando da escolha do fornecedor.
O setor de programação possuía dois
funcionários: 1 dirigente e 1 engenheiro elétrico; muitos dos trabalhadores do
setor tinham sido demitidos, todos sendo indicados pelo dirigente. Os primeiros
dispensados do setor foram aqueles que não compartilhavam das ideias do
dirigente, de suas aflições e ódios. O único funcionário remanescente era
alguém que compartilhava das crenças e pontos de vista do seu superior
imediato. Os dois desprezavam o dirigente do setor de hardware, sendo esse
desprezo agravado em função da possibilidade de promoção, para o cargo de
diretor de processos, que estava vago e poderia ser preenchido em um momento
futuro, onde a situação econômica fosse melhor.
Rodrigo, o dirigente do setor de
programação, admitia a superioridade hierárquica de seus dirigentes. Ele
atribuía essa superioridade a oportunidades de estudos, as quais ele não teve,
fazendo com que ele se conformasse com seu papel inferior; no entanto, ele
constantemente se imaginava como possuidor de oportunidades similares, o que fazia
com que, em sua imaginação, se tornasse superior a todos os dirigentes, fazendo
com que desprezasse, até certo ponto, as posições de seus superiores, que, em
sua mente, poderiam ser muito melhores. Apesar desse desprezo oculto, Rodrigo
era solicito e sempre procurava agradar aos chefes, fazendo uso de expressões
completamente artificiais que poderiam ser identificadas facilmente através de
uma observação um pouco mais aprofundada. Ele mantinha tais relações com muita
habilidade, sem que ninguém desconfiasse dos motivos egoístas de suas ações,
que visavam nada além do que a autopromoção, nada além do que melhores
oportunidades dentro da empresa. Essa constatação, por mais simples que possa
parecer, não era obtida por ninguém, o que permitia a manutenção da estima dos
dirigentes, em função de atitudes falsas e calculadas. As pessoas nunca prestam
atenção em nada!
A subordinação e aceitação de
inferioridade — com muitos deslocamentos,
logicamente — de Rodrigo se restringia apenas
aos dirigentes. Em relação aos outros funcionários, ele não admitia se enxergar
como sendo inferior. A todo o momento em que isso ocorria, ele se sentia muito
mal e reduzido, fazendo com que se esforçasse ao máximo para desvalorizar
aquilo que lhe causava dor. De posse dessa característica intrínseca, ele era
exímio na tarefa de reduzir e desprezar os feitos alheios.
O trabalho excessivo, para a
preparação da apresentação via videoconferência, havia desgastado João, que
sofria com problemas de saúde. Essa debilidade inesperada fez com que ele
tomasse uma medida drástica.
Ele chamou Rodrigo em particular e
lhe pediu um favor:
“Oh, estou me sentindo muito mal.
Você poderia me fazer um grande favor?”
“Claro! É só falar. E, por sinal,
gostei muito da sua camisa, a cor é muito bonita, e os detalhes são
harmoniosos, além disso, ela parece ser muito confortável. Onde comprou?”
“Obrigado! Comprei em uma loja no
shopping, depois te passo o nome dela.”
“Ah, muito obrigado. Seria muita
gentileza de sua parte. E me desculpe pela interrupção, não pude evitar deixar
de fazer tal observação de algo que me agradou bastante. Por favor, continue
com o que queria me falar.”
“Oh, claro... Eu pensei que poderia
aguentar até a apresentação, mas vejo que me enganei em pensar dessa forma. Sinto,
nesse momento, que preciso, urgentemente, ir ao médico. Tenho medo de que não
consiga voltar a tempo para a apresentação. Gostaria de informar a algum dos
dirigentes sobre essa situação, mas nenhum deles se encontra presente no
momento. Tentei até mesmo ligar para um deles, mas deu ocupado, acho que eles
também estão se preparando para a apresentação...”
“Você tem certeza que não consegue
aguentar até a apresentação? Você não me parece tão mal, e sei que é forte e
pode aguentar até lá.”
“Bem que eu queria, mas é impossível, não estou me aguentando em pé.”
“Isso é uma pena! Em relação aos dirigentes, fui informado que eles estão
em uma reunião particular, elaborando algumas estratégias para conseguirem, na videoconferência
de hoje, fechar o serviço. Acho que você não deveria incomodá-los.”
“Entendo... Acho que você tem razão.”
Ele olhou receoso para Rodrigo, e, após um breve momento de hesitação,
disse:
“Meu amigo, eu realmente preciso ir ao médico. Se eu não voltar a tempo,
você poderia fazer a minha apresentação? Sei que é pedir demais, mas a situação
é urgente.”
“Não se preocupe, amigo. Farei isso por você. Antes, gostaria de saber se
preparou algumas referências impressas para a apresentação, Assim como também
gostaria de saber se sou o único a ser informado dessa sua partida inesperada.”
A expressão maliciosa de Rodrigo era gritante, mas não pôde ser percebida
por João, que era incapaz de relacionar algumas características a determinados
pensamentos e possibilidades, o que fazia com que os aspectos mais chamativos e
perigosos permanecessem incógnitos.
“Oh, meu amigo. Muito obrigado, muito obrigado mesmo! Eu separei algumas
folhas que estão na minha mesa e deverão ser utilizadas como referência para a
apresentação. E sim, você é o único a ser informado sobre isso; tentei aguentar
até a apresentação, mas vejo agora que não consigo, e que essa foi uma péssima
ideia, que fez com que eu me desgastasse ainda mais. Essa minha tentativa me
deixou ainda pior, fazendo com que eu não mais seja capaz de aguentar nada,
estou muito mal, preciso urgentemente ir ao médico. Você poderia avisar aos
dirigentes sobre isso? Você acha que pode realizar a minha apresentação? Ela é
de suma importância para o...”
Rodrigo o interrompeu e disse com convicção:
“Pode deixar comigo, João. Conheço o suficiente sobre o seu setor para
ser capaz de realizar a apresentação. Além disso, trabalhamos muito tempo,
conjuntamente, em nossas apresentações, aspecto esse que me permite apresentar
o seu trabalho, assim como lhe permitiria apresentar o meu.”
“Isso é verdade.”
Respondeu João, mais aliviado.
“Agora que já resolvemos esse assunto importante, acho que você deveria
ir, imediatamente, ao médico. Sinto muito em dizer isso, mas, realmente, você
parece estar muito mal. Pode deixar que avisarei a todos sobre sua ausência”
“Você tem razão, Rodrigo. Nem ao menos consigo me aguentar de pé. Vou
imediatamente ao médico, até mais. E, mais uma vez, muito obrigado.”
João saiu apressado, enquanto Rodrigo permanecia imóvel, absorto em
pensamentos intermináveis. Aquilo que se desenhava à sua frente parecia ser a
situação ideal, com a qual ele sempre sonhara. Em sua mente, ele se deparava
com a oportunidade ideal para desmoralizar João e torna-lo um personagem
secundário na disputa pelo cargo de diretor de processos.
Ele já havia imaginado todos os aspectos que o beneficiariam. Ele iria
fingir-se surpreso, assim como todos os presentes na apresentação, com a
ausência de João. Ao mesmo tempo, ele planejava tentar realizar a apresentação
alheia, com isso mostrando comprometimento para com o projeto, característica
essa que ele iria se esforçar para mostrar que o outro dirigente, que se
ausentou, não possuía.
O plano inescrupuloso deveria ser muito bem executado, pois qualquer
falha poderia fazer com que tudo aquilo se voltasse contra ele.
Mesmo com uma grande possibilidade de erro, Rodrigo se sentiu confiante,
e encarava aquela situação como sendo a oportunidade perfeita, e única, podendo
até mesmo resultar na demissão de João. A época tenebrosa pela qual passava a
empresa não descartava tal possibilidade. Em sua mente uma linha de pensamento
o encantava: “Muitos funcionários foram demitidos sem nenhuma falta grave,
imagine o que ocorrerá, nesse momento delicado pelo qual passamos, com um
funcionário que comete uma falta grave, ainda mais relacionada com o projeto
mais importante da existência dessa empresa. Com certeza ele será demitido e eu
não mais terei concorrentes para a posição de diretor de processos”.
Esses pensamentos percorriam, incessantemente, a sua mente.
Naquela noite, durante a videoconferência, Rodrigo apresentou sua parte
do projeto e tentou apresentar a parte de João, sempre salientando a falta de
respeito do colega em não o avisar sobre sua ausência. A todo o momento ele
salientava o fato, fazendo com que os dirigentes, que estavam presentes na
apresentação, se sentissem ainda mais inconformados com aquela ausência
inesperada.
Os representantes da multinacional se sentiram incomodados com a
ausência, considerando-a como uma falta de comprometimento imperdoável, que
colocava em dúvida a capacidade da Oleto em cumprir as tarefas que deveria
executar para a realização do grandioso serviço, sendo essas suspeitas
suficientes para abalar a confiança e, consequentemente, a possibilidade de realização
de negócios.
Essa característica fez com que a ausência de João fosse agravada ainda
mais.
Ao mesmo tempo que a Oleto perdia sua principal chance de salvação,
Rodrigo se esforçava para deteriorar, ainda mais, a imagem do colega, que, após
retornar à empresa depois de alguns dias internado com pneumonia, se tornou
absurdamente abjeta.
Mesmo
com suas tentativas esforçadas de defesa, a mentalidade dos dirigentes já
estava decidida. Em função daquilo que consideravam ser uma ausência sem aviso
prévio, sem qualquer tipo de comunicação a quem quer que fosse, em um momento
de extrema importância para a empresa, e que comprometeu um projeto importante,
João foi demitido e o seu setor foi integrado ao setor de programação.