Antigamente, eu não era capaz de
desconstruir minhas impressões e objetivos inconscientes. Naquela época eu
ainda não possuía a profundidade de pensamento que possuo atualmente, assim
como não possuía conhecimento suficiente para que me tornasse vitorioso, em
minha empreitada corajosa, em busca da obtenção do controle absoluto dos meus
pensamentos.
Desde
pequeno eu possuía pensamentos incomuns. Minha primeira lembrança ocorreu
quando eu tinha apenas 3 anos, e, junto com ela, vi-me inundado por reflexões
complexas. Em minha primeira lembrança eu estou perdido em uma praia, andando
desesperado, procurando pela minha família que deveria se encontrar em algum
lugar por ali. Cada novo grupo de pessoas que encontro, e que verifico não ser
a minha família, faz com que meu desespero aumente; no entanto, em meio a essa
procura intensa, eu paro por um instante; percebendo a minha falta de parâmetros
para descrever aquilo que seriam meus parentes; eu me concentro para ser capaz
de definir, com precisão, aquilo que procuro, para estabelecer, com exatidão, o
lugar onde pertenço. Essa tarefa de classificação não dura mais do que um breve
período; sem obter sucesso, eu me senti ainda mais desesperado, percebendo que
não possuía qualquer tipo de parâmetro que definisse o lugar onde eu deveria
estar, as pessoas com quem eu deveria estar. Esta constatação agravou ainda mais,
ainda mais, a minha condição já delicada, fazendo com que as lágrimas
começassem a deslizar, de maneira ininterrupta, pelo meu rosto. O cenário que
se formava em minha mente era o mais desesperador, o mais absurdamente assustador
e obscuro.
No
auge do meu desespero, o mundo à minha volta começou a apresentar aspectos
incomuns, que se distanciavam da realidade com a qual eu sempre estive
acostumado. Em meio a minhas vertigens, provenientes de um medo incomum, que se
alastrou rapidamente pela minha mente, fazendo com tudo à minha volta
apresentasse proporções exageradas e irreais, fiquei petrificado perante o
cenário que era construído pela minha mente, sendo ele muito aquém de qualquer
possibilidade real, muito aquém de qualquer tipo de controle que poderia ser
exercido por mim.
Não
aguentando mais o desespero, eu me dirigi até uma família que me pareceu ser
receptiva. Ao chegar, eu mal conseguia pronunciar qualquer tipo de sentença
coerente. Felizmente, eles logo perceberam a minha situação e me levaram até um
quiosque, onde fui anunciado por dois cantores que estavam tocando lá. Uma de
minhas tias se encontrava nas proximidades do quiosque e me reconheceu. Ela
agradeceu à família que havia me encontrado e me levou de volta ao lugar onde
eu deveria estar, onde eu pertencia. Entretanto, eu não senti aquilo que
esperava sentir, mas muito pelo contrário, eu me senti ainda mais confuso.
Meus
momentos desesperadores, enquanto eu estava perdido na praia, fizeram com que
eu pesasse a refletir mais pormenorizadamente sobre o local onde eu pertencia.
Ainda mantendo essa minha forma recém adquirida de analisar, olhei para as
pessoas à minha volta, para o lugar onde eu deveria pertencer, e, por mais que
eu me esforçasse, não consegui encontrar nenhuma característica que me fizesse
sentir pertencente àquele lugar.
Essa
minha primeira lembrança é um cenário que sempre esteve presente em minha vida;
sempre que tento descrever essa experiência a narro como se ela se encontrasse
no presente, pois é dessa forma que a memória funciona. Quando nos lembramos de
algo, fazemos com que ele se torne real novamente, fazemos com que ele se torne
o nosso presente, e foi desse modo que enxerguei o acontecimento na praia
enquanto o narrava. Novamente me vi percorrendo aquele local aterrorizante, que
mudou minha vida para sempre. Como naquela época minha percepção ainda era
diminuta, o cenário onde essa situação ocorreu é escasso em minha mente,
carecendo de referências e de aspectos mais abrangentes, que eu me policio
sobre maneira para não reconstruir, tendo como objetivo, com essa não
construção, a conservação das características do acontecimento original, sem
contaminá-lo com interpretações e conhecimentos posteriores, que poderiam
deturpar a minha experiência original.
Essas lembranças, que são
frequentes, me mostram o quanto nossas interpretações e o mundo, que serve como
base para a elaboração dessas concepções, são discrepantes, fazendo com que
aquilo que enxergamos seja extremamente relativo, virtual. Desde pequeno, após
analisar algumas das minhas memórias, eu percebia que havia a realidade,
algumas características percebidas por nós - em meio à infinidade de aspectos
que possui a realidade – e o mundo virtual que nossa mente criava para definir
a realidade, tomando como base os poucos aspectos percebidos por nós. Junto com
essas interpretações eu percebia o quanto nossas impressões sobre as coisas eram
mutáveis, bastando apenas uma pequena mudança de perspectiva para que criemos
um cenário, uma interpretação da realidade, completamente diferente daquilo com
o que estávamos acostumados a enxergar.
CONT....
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