Passo agora a me concentrar
em lhe descrever minhas impressões sobre o livro de Lukács, que me deixou
decepcionado, fazendo, até mesmo, com que eu riscasse uma de suas obras de
minha lista de leitura, por não mais considerá-la como sendo capaz de
acrescentar muitas coisas —
sendo o meu tempo para a leitura um tanto escasso não posso me dar ao luxo de
ler obras que sinto não poderem me acrescentar e ajudar muito. A obra em
questão é: A ontologia do ser social, podendo eu deduzir como sendo o livro
onde Lukács diz ter encontrado as respostas que faltaram na teoria do romance,
que, no entanto, são evidentes, sendo elas direcionadas ao materialismo, o que
me fez deduzir que em sua obra posterior o autor torna-se capaz de capturar o
espírito do nosso tempo através de uma perspectiva materialista, aspecto esse
que é absolutamente correto, completamente gritante e descaradamente evidente,
mas que não me ajuda a desenvolver minhas ideias, que se encontram em esferas
mais profundas e fundamentais da nossa constituição.
Ao
mesmo tempo que Luckács parece se esforçar para formular conceitos, que são evidentes por si próprios, praticamente gritantes quando observamos as pessoas e suas motivações, e não exigem muito esforço de observação, gostei, até certo ponto, do
modo como o autor traça a evolução de modelos literários predominantes em cada
época, que vieram descambar, segundo o autor, no romance moderno, onde tudo é
desconstruído e não resta mais nada de concreto. Na evolução cronológica,
traçada pelo autor, ele generaliza e comete erros; diz que antigamente existia
a tragédia, onde o herói enfrentava muitas dificuldades, mas que internamente
eram irrelevantes, pois os protagonistas possuíam um conteúdo conceitual forme
e inquestionável, que os direcionavam , sem maiores problemas, por essas
empreitadas; posteriormente veio o romance romântico, onde o herói passa por
períodos conturbados, onde a incerteza é eliminada com a estruturação de
conceitos exatos, que passam a direcionar o protagonista — caso esse que
considero como sendo o estilo do meu primeiro livro —; e, alcançando aquilo que
o autor diz ser o momento literário contemporâneo, encontramos o modernismo, ou
o romance moderno, onde nada sobrevive, onde tudo é destruído e se renova a
todo o momento. Ao meu ver, essa definição é errônea. Através dos tempos, grandes
autores modernos escreveram em períodos de predominância romântica ou
dramática, assim como obras românticas e dramáticas ainda existem em nosso
mundo contemporâneo.
Desse
modo, podemos dizer, sem titubear, que no mundo existem infinitas perspectivas,
sendo que o modernismo existiu na tragédia e no romance romântico, e
vice-versa, cabendo apenas aos detentores de poder determinar conceitos
vigentes, aquilo que deve ser seguido e valorizado em detrimento daquilo que
deve ser desestimulado e marginalizado. Essa perspectiva me deixa um tanto
triste, até certo ponto, pois me faz imaginar em quantos grandes livros foram
simplesmente descartados e nunca publicados, ou analisados por um grande
público, por causa de suas inadequações aos parâmetros vigentes, à estrutura e
à forma vigente de se enxergar e interpretar as cosias. A investigação da
determinação dos valores vigentes, que é muito mais interessante, pelo menos
para mim, e complexa, é deixada de lado pelo autor.
Ao mesmo tempo que uma questão importante
é ignorada, considero que autor comete outro grande equívoco ao dizer o quanto
a literatura faz uso da filosofia em suas construções, mas, mesmo com todo o
empenho dos autores, não consegue fazer uso de praticamente nada que os
conceitos filosóficos têm a nos oferecer. Essa afirmação me incomodou e foi
mais uma generalização infeliz.
Podemos salientar o quanto Tolstói faz
uso de conceitos elaborados por Espinoza ou o quanto Dostoiévski faz uso de
ideias de Schopenhauer mas não é capaz de elaborar histórias que contenham a
vastidão conceitual do filósofo alemão, assim como podemos citar vários
exemplos de autores que fazem uso de apenas uma simples interpretação ou
conceito de uma grande filósofo para desenvolver toda uma história. No entanto,
deparamo-nos, muitas vezes, com autores que abandonaram a filosofia e se
dedicaram exclusivamente à literatura, por considerarem a segunda opção, e
somente ela, capaz de transmitir e relatar experiências que o formato do texto
filosófico de suas épocas era incapaz de mensurar e estruturar, o que os
possibilitou criarem obras que servem de referência para a elaboração de teses
filosóficas, atributo esse que torna a generalização de Luckács ainda mais
descabida.
Entretanto, o livro tem lampejos
realmente interessantes, que nos conduzem diretamente a questões
contemporâneas, a problemas que a cultura da desconstrução incute em nossas
mentes e não mais nos permite possuir uma vida saudável e eficiente, mas,
infelizmente, tais questões, que realmente me chamaram a atenção, foram
simplesmente abandonadas, deixadas de lado para a continuação da exposição dos
formatos literários.
Essa omissão fez com que eu ficasse um
tanto irritado, mas, ao mesmo tempo, me agradou, por fazer com que percebesse
que meus escritos e propostas não são inteiramente descabidas, e tratam de
assuntos que incomodam, até mesmo, grandes escritores.
Para externar com precisão minhas
impressões acerca do livro, tentarei citar algumas questões relevantes que o
livro suscitou em mim:
“Como recuperar a eficiência de um mundo
bem estruturado em uma mentalidade que foi demolida?”
“Os livros de Tolstói parecem nos remeter
à nossa natureza mais profunda, relatando experiências incríveis, como as
reveladoras vivências de quase morte nos campos de batalha. Mas, no entanto,
esses lampejos da verdadeira existência deixam muito a desejar, pois sempre são
muito curtos e não nos permitem analisa-los com precisão.”
“Muitos livros são realmente perigosos;
eles nos permitem desconstruir nossas lembranças mais entorpecedoras, fazendo
com que sejamos inseridos em quase que um novo mundo, em um lugar desconhecido
e doloroso, de onde corremos o risco de nunca mais sairmos, de nunca mais
termos uma vida saudável.”
“Muitos escritores, que são considerados
como sendo imortais e grandiosos, me parecem ser nada além do que homens
superficiais, egoístas e incoerentes. Sinto que eles foram os responsáveis por
fazer com que a religião, a cultura, se tornasse imprescindível para o ser
humano, que, quando não abraça fortemente conceitos pré-determinados e
limitados, se vê irremediavelmente desesperado, e sem alternativas, quando se
depara com perspectivas novas, com novas associações e formas de ser, fazendo
com que aqueles que experimentam sensações novas, ou até mesmo se arriscam em
direção à descoberta de novas paragens, tornem-se os religiosos, ou os seres
sociais, mais adeptos e fervorosos. Isso me incomoda muito, e, desde sempre, me
vi imbuído da tarefa de ser o responsável por acabar com essa palhaçada
ridícula.”
“Quando existiu uma paixão sensata e
contida? Quando existiu um sentimento doloroso que não se amplia com o passar
do tempo até se tornar alguma coisa completamente desesperadora? A resposta
para essas questões é óbvia, sendo ela um categórico: nunca! Entretanto, essas
questões iniciais levantam ainda mais questões... O que quer dizer aquilo que
sentimos? Qual o motivo de muitos de nossos sentimentos e desejos?... Tais
questionamentos nos parecem ser eternos, para sempre destinados a rondar nossas
mentes, permitindo-nos encontrar uma infinidade de respostas plausíveis durante
cada uma de nossas exaustivas investigações; entretanto, uma coisa me sinto
seguro em dizer: Vivemos vidas cheias de som e fúria, que não significam nada.”
“Possuir um ideal inalcançável, capaz de
estruturar e direcionar toda uma existência. Será essa a única forma de
possuirmos uma vida saudável?”
A intenção do autor de sistematizar e de
fugir de análises mais profundas, para não correr o risco de dizer coisas
absurdas, me incomodou, podendo eu dizer que meu estilo é completamente
diferente; sendo eu um Zé ninguém, sem nada a perder, escrevo sobre minhas
sensações mais esquisitas, assim como tento explorar as sensações mais
incomuns, profundas e afugentadas das outras pessoas, permitindo-me, apenas
assim, elaborar os conceitos que, para uma mentalidade alienada e iludida,
parecem ser os mais absurdos e incoerentes, afinal, todo conceitos elevado e
exato foi, um dia, algo esdrúxulo e incompreensível, e isso não é de se
espantar quando analisamos o quanto nossa cultura vigente é covarde e deturpa,
de forma assustadora, a realidade em função da manutenção de interpretações
artificiais e completamente incoerentes.
Mesmo me sentindo corajoso, e até mesmo
inconsequente, quando me proponho a explorar algo, sinto-me sempre triste ao
ler meus textos, pois acho que eles não são capazes de transmitir aquilo que enxergo,
que sinto; essa sensação me incomoda e me faz questionar minhas empreitadas
literárias, que parecem não surtir nenhum efeito em ninguém, sendo, dessa
forma, uma perda de tempo, que poderia ser direcionado rumo a uma atividade
mais relevante aos olhos das outras pessoas, que, por incrível que pareça, são
incapazes apreciar e realmente valorizar o importante papel que tem a
literatura em nossas vidas.
Sem defender nenhuma posição e escrevendo
apenas por diversão, tenho apenas em mente o quanto alteraria minha escrita se
tivesse pretensões acadêmicas, como as de Luckács; o que, mesmo assim, já é o
suficiente para aceitar um livro um tanto covarde. Ao mesmo tempo, tenho de
levar em consideração o quanto os livros de Luckács foram minuciosamente
analisados e debatidos ao longo dos anos, fato esse que fez com que muitos de
suas proposições, que a princípio eram originais e revolucionárias, parecem-me
completamente batidas, nada além do que uma repetição enfadonha. Encontrando
suas ideias em muitos outros livros posteriores, talvez tenha perdido o encanto
de me impressionar com uma definição inovadora no livro que li; essa sensação
foi por mim observada também no livro: Em busca do tempo perdido, que, de tanto
ser analisado, usado como referência e citado, tornou-se um livro simplório,
onde as grandes descobertas do autor tornaram-se banais, corriqueiras e
incapazes de justificar a dedicação a uma leitura extensa.
Para finalizar, essas foram algumas das minhas impressões com relação ao
livro, sempre lembrando que a minha opinião é a de um leigo, que não conhece
profundamente Luckács, nem suas obras e nem suas referências.
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