Sentei na beirada da cama e a olhava pentear o cabelo. Ela estava sentada
em um banquinho almofadado, de costas para mim, e se olhava no grandioso
espelho da prateleira, enquanto passava, vagarosamente, a escova pelos longos
fios de cabelo. Aquela atividade despretensiosa, que evidenciava ainda mais o
alheamento dela perante o mundo à sua volta, parecia assumir características
mecânicas, adquirindo um ritmo contínuo; nesse contexto a atividade que era
executada parecia perder ainda mais a importância, tornando-se algo supérfluo,
que poderia ser caracterizado como uma ação inconsciente, que era efetuada por
impulso, enquanto a verdadeira atividade, que realmente interessava à menina
que penteava o cabelo, permanecia oculta, imperscrutável.
Eu permaneci olhando-a, hipnotizado. Em cima do espelho da penteadeira,
havia uma lâmpada mais potente que a do cômodo em que estávamos, ela fazia com
que aquele cabelo, que estava sendo penteado, assumisse um brilho incomum,
lindo. Era impossível desviar o olhar. De repente, o pente não mais deslizou,
graciosamente, pelo cabelo castanho escuro; eu me assustei com aquela alteração
brusca no movimento que estava sendo executado, e, como que saindo de um estado
hipnótico, percebi que ela me olhava pelo espelho. Também a olhei pelo espelho;
ficamos em silêncio, olhando-nos por um tempo, de forma indireta, mas não menos
intensa. Pareceu-me que o tempo havia parado, juro que não me é possível
relatar quanto tempo permanecemos nos olhando. Fui resgatado de minha condição
contemplativa pela pergunta que ela me fez:
— Você dá muita importância à aparência?
Fiquei assustado com a pergunta, e tentei me atentar à expressão que ela
manteve enquanto pronunciava aquelas palavras. Mesmo olhando, anteriormente,
para o seu rosto, consegui perceber sua expressão facial apenas no final da
pergunta; não sei o que eu estava olhando antes para não me atentar à maneira
como ela se portava enquanto se dirigia a mim; definitivamente, meus olhos
estavam focados no reflexo do seu rosto, mas minha mente estava ausente, em
devaneios profundos... Mesmo me atentando para sua expressão apenas no final da
pergunta, pude perceber que era um questionamento próprio, que foi exposto de
forma espontânea. Ela aguardava ansiosa a minha resposta. Percebi que aquela
era uma pergunta que ela fazia para poucos e que realmente significava algo,
podendo ser caracterizada como uma importante forma de avaliação daqueles com
quem ela interagia; não sei o que me fez chegar a essa conclusão, acho que foi
a forma como ela ficou me olhando, enquanto apoiava o pente em sua perna,
interrompendo por completo a atividade que tanto lhe agradava anteriormente;
essa pausa repentina salientava ainda mais a importância da pergunta.
Tive dificuldade para expressar minha maneira de pensar, ainda mais com
aquele olhar penetrante que ela mantinha em direção aos meus olhos. Desviei meu
olhar e o mantive, em um primeiro momento, na porta do guardarroupa, o que me
possibilitou formular minha resposta com calma.
— Eu não dou importância nenhuma, e é engraçado, levando em
consideração os valores de mundo atuais, que supervalorizam a aparência, o
físico, as roupas — após esse início me senti mais confiante, e voltei a
olhá-la nos olhos. — Eu acho as pessoas sempre tão iguais, mas, em raras
exceções, parece que uma pessoa é capaz de suscitar um “não sei o que”; algo
como que uma força, que emerge sei lá de onde. Quando isso ocorre, essa pessoa
passa a ser bonita, ela se destaca das demais, e o brilho em seus olhos a torna
única, inconfundível.
Após minha resposta permanecemos em silêncio,
contemplando-nos. Pelo modo como seu rosto se iluminou, pude perceber que
compartilhávamos a mesma concepção sobre a beleza. Nossa interação ficava cada
vez mais abrangente. Nós — que nunca tínhamos experimentado nada do tipo
— aproveitávamos cada momento em que podíamos travar conhecimento, mas
sempre mantendo um ritmo cadenciado, para que pudéssemos aproveitar ao máximo
cada momento.
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