Desde sempre
tentei desenvolver e entender as minhas impressões, nessa minha busca contínua
por aprimoramento conceitual adquiri uma quantidade absurdamente vasta de
explicações, de modelos, que fui incapaz de refutar; tudo isso que adquiri pode
ser considerado conhecimento.
Por causa dos
meus desenvolvimentos contínuos, tornei-me aquilo que muitos classificam como
ser sensível, alguém capaz de perceber muitas coisas, de interpretar e entender
muito, quando deparado com situações onde as pessoas menos curiosas não
conseguem perceber praticamente nada.
A pluralidade
conceitual, que é a evidência mais gritante da minha curiosidade sem fim,
permite que eu seja capaz de interpretar de forma múltipla, quando me deparo
com um acontecimento qualquer. Perante às múltiplas possibilidades que eu me
permiti possuir, geralmente termino por me encontrar completamente indeciso,
olhando, cheio de dúvidas, uma vastidão interminável de caminhos, de
possibilidades. Deparado com minhas múltiplas interpretações pude perceber que
eu não era capaz de possuir uma alma, que eu não conseguia me posicionar com
firmeza perante nada, pois tudo era vasto e cheio de interpretações. Como eu não
conseguia me posicionar em relação aos mais diversos acontecimentos, como eu
não conseguia criar um Eu exato, que me posicionasse no mundo, tornei-me alguém
incapaz de sentir; eu era tão sensível, tão curioso, tão obstinado em me
entender que me tornei alguém incapaz de sentir, incapaz de possuir uma alma.
Sem alma eu
flutuava sem rumo pela vida; a moral também havia se tornado inútil para mim.
Em meus desenvolvimentos intermináveis eu encontrava as consequências mais
benéficas nos atos considerados imorais, assim como os enxergava como sendo
realmente nocivos, ou sem consequências relevantes, tudo ao mesmo tempo. Então,
por encontrar o bem no mal e o mal no bem, abandonei a moral, abandonei
qualquer tipo de proposição exata e imutável, que tentasse estabelecer o que
era benéfico ou nocivo para o indivíduo e para o todo.
Eu percebia e
entendia muitas coisas, mas não era capaz de direcionar esse conhecimento para
nada. Eu percebia a ineficiência dos meus esforços para tentar estabelecer parâmetros
exatos e decidi me portar de uma nova maneira. Desisti de tentar encontrar
conceitos fixos e passei a me preocupar em entender os motivos e o funcionamento
da minha mente, que faziam com que eu interpretasse os acontecimentos de forma
variada. Essa minha nova empreitada obteve êxito; comecei a me portar de forma
diferente, compreendi que os conceitos fixos eram inúteis e que cada
acontecimento é único, exigindo uma interpretação nova, que tenha relação
direta com a situação analisada e não reproduza apenas uma interpretação antiga ou aquilo que desejamos enxergar; concentrado na maneira como funcionava minha
mente e como esse funcionamento determinava minhas interpretações, fui capaz de
ampliar, imensuravelmente, meus conhecimentos sobre o ser humano, sobre os
animais, sobre a mente; devorei os livros escritos por indivíduos sem alma, e
aprendi muito com eles, suguei o máximo que pude dessas pessoas raras, realmente
inteligentes e perceptivas. Esse meu novo modo de ser fez com que meu
conhecimento e a minha vida se desenvolvessem desenfreadamente, aproximando-se
daquilo que as coisas realmente eram, gerando explicações que realmente
pareciam elucidar as minhas sensações, as minhas percepções.
Eu me tornei um ser humano sem alma e sagrado, próximo de encarar as coisas da forma como elas
realmente são, próximo de possuir a existência mais potente possível.
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