A nuvem que é
interpretada por Polônio, e que adquiri novas formas quando Hamlet externa suas
impressões, talvez não tenha sido definida com diferentes formas apenas para
que o príncipe da Dinamarca se sentisse satisfeito por possuir alguém que
concordasse com suas suposições, talvez aquela nuvem pudesse ser interpretada
de várias formas discrepantes entre si, atributo esse que permitiu que Polônio
mudasse sua opinião, sinceramente, toda vez que Hamlet desenvolvia uma nova
perspectiva sobre a nuvem.
Tomando como base esse exemplo,
podemos perceber o quanto nossas impressões variam, o quanto as coisas possuem
interpretações múltiplas, plausíveis e lógicas. Essa característica intrínseca de
tudo à nossa volta faz com que enxerguemos um novo arranjo das coisas,
dependendo apenas da maneira como olhamos para essas coisas e a associação que
fazemos daquilo que enxergamos.
Essas nossas construções variáveis,
e constantes, de conceitos e de cenários, faz com que nos portemos
diferentemente perante situações similares, faz com que alteremos, por
completo, nossas impressões e sentimentos.
Um exemplo banal, que ilustra essa
nossa característica profunda, é a concepção que se tinha de mulheres que
usavam óculos. A princípio essa característica transmitia a ideia de
deselegância, estupidez, fragilidade, sendo que, com o passar do tempo, com a
alteração dos conceitos, essa mesma imagem passou a suscitar uma ideia de
empreendedorismo, imponência, força; fazendo com que enxergássemos a mesma
situação com uma concepção completamente diferente.
Essa mudança de conceitos, que é
frequente para aqueles que são muito racionais, evidencia o quanto a realidade
que percebemos é virtual, assim como nos mostra o quanto são importantes e
relevantes os conceitos pré-estabelecidos na nossa mente, sendo eles os
responsáveis por nos situarem perante aquilo que percebemos. Só iremos ter sentimentos
por aquilo que, de alguma forma, já está construído na nossa mente, por uma
concepção previamente verificada e desenvolvida — sendo esse
desenvolvimento, na maioria das vezes, inconsciente, situando-se nas
profundezas do intelecto, sem que possamos percebê-lo conscientemente —;
o novo nunca suscitará nada em nós, porque, por causa da presença de parâmetros
que nunca observamos, não sabemos como nos portar perante esse novo cenário que
encontramos.
Com o desenvolvimento da nossa consciência,
e com o aprimoramento das nossas interpretações, tornamo-nos capazes de
enxergar as coisas sob as mais variadas perspectivas. Nesse caso, encontrarmos
alguém que possua alguma coisa em comum conosco se torna uma tarefa simples,
por causa da pluralidade conceitual que faz com que o ser consciente possua
vários aspectos, várias interpretações das coisas.
A ampliação do raciocínio destrói os
sentimentos, sendo eles apenas reações nervosas, que têm relação com concepções
exageradas, que não possuem relação com a realidade. Assim como os sentimentos,
o amor também é abolido, após passar por uma análise estritamente racional.
Dotados de uma frieza e de uma
indiferença sem limites, os seres possuidores de uma consciência vasta são
acusados, pelas pessoas comuns, como sendo falastrões, por não possuírem uma
paixão irracional quando expressam suas opiniões e desejos. As mesmas pessoas
comuns afirmam que os seres cheios de consciência são insensíveis, quando, na
verdade, eles são incrivelmente sensíveis, ultrassensíveis.
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