Desde que a ideia
de que aquilo enxergamos, que percebemos, não passa de um reflexo da realidade
tornou-se um conceito preponderante em nossas análises, percebemos uma mudança
drástica no modo como enxergamos as coisas, como interpretamos nossos conceitos
e como consideramos conceitos alheios aos nossos. A relatividade de cada
interpretação, de cada forma de perceber, tornou-se parâmetro essencial para
que analisemos, com precisão, determinadas atitudes e definições.
A imagem virtual do mundo, sendo ela
particular e única, nos situa em meio às coisas, perante os acontecimentos.
É tarefa do gênio enxergar mais do
que as pessoas comuns, se esforçar e aprofundar seu pensamento, em um nível que
um ser comum nunca será capaz de alcançar ou compreender. Essa empreitada
perigosíssima é necessária para que a proposição que mais se aproxima do
verdadeiro funcionamento da mente, que engloba e relaciona tudo aquilo que
percebemos, seja descoberta, dessa forma, e apenas assim, nos permitindo
controlar os nossos pensamentos e reações.
Kierkegaard pode ser considerado
como um desses gênios desbravadores, destemidos, que mergulharam em seus
conceitos virtuais, explorando regiões inóspitas da existência, para que, com
isso, pudesse nos fornecer elaborações importantíssimas.
Ele foi categórico ao salientar o
quanto nossas mais variadas possibilidades mais nos incomodam do que nos
beneficiam; ele também soube desenvolver muito bem o estado de queda, de
desespero, perante as condições que percebemos e que incitam a criação de um
cenário virtual desesperador.
Entretanto, mesmo com toda a sua
percepção incomum, Kierkegaard parece não alcançar a ultraprofundidade
encontrada em outros pensadores, e é por isso que grande parte de seus
conceitos devem ser transportados, realocados, mesclados a proposições mais
profundas, complexas e modernas, desse modo estabelecendo uma visão inovadora
sobre o funcionamento do intelecto.
Nietzsche talvez seja um dos
pensadores mais profundos que já existiu; quando seus conceitos são mesclados aos
de Kierkegaard, encontramos uma combinação quase que perfeita, que supre a
doutrina religiosa que tanto obstruiu o pensamento do filósofo dinamarquês.
Uma das proposições mais ousadas de
Nietzsche foi sua vontade de potência, que, mesmo pertencendo ao mais moderno
dos filósofos, repousa sobre a metafísica. No entanto, quando a vontade de
potência é adaptada para uma concepção ainda mais relativa, subjetiva e
inerente apenas aos seres vivos, aí então obtemos aquela que parece ser a mais
coerente das proposições.
Aplicando uma forma readaptada e
mais moderna da vontade de potência às proposições de Kierkegaard, obtemos uma
teoria extremamente coerente, que aprece ser capaz de abarcar todas as nossas
sensações, desse modo fazendo com que nos tornemos capazes de mensurar
corretamente e alterar os nossos conteúdos que antes nos eram ininteligíveis.
Com o auxílio da vontade de potência
podemos elaborar uma resolução para o motivo da queda, que permanecia
misterioso para Kierkegaard, que foi incapaz de arriscar um motivo referente a
isso.
Primeiramente, é preciso que
salientemos o quanto as nossas possibilidades nos oprimem, o quanto elas são
nocivas e desesperadoras. Em nossa mente, onde os parâmetros são desenvolvidos
em um ambiente particular, relativo, e os conceitos são estruturados e definidos
sem que esses possuam uma relação exata com a realidade das coisas, costumamos
definir nossas possibilidades de forma exagerada. Os cenários exagerados nos
influenciam, por mais que existam apenas na nossa mente, esses parâmetros são
absurdamente influentes em nossas decisões e estados de espírito.
Essa característica do nosso
intelecto é absurdamente opressiva quando o indivíduo possui múltiplas
possibilidades, quando ele possui interpretações variadas e discrepantes entre
si.
É até mesmo engraçado ouvirmos os
tão comuns pseudointelectuais falando sobre aumentarmos as nossas
possibilidades. Suas interpretações, como sempre, são completamente
equivocadas. Sem um espírito vasto, sem conceitos múltiplos, os
pseudointelectuais apenas repetem conceitos, sem serem capazes de
compreendê-los.
Aqueles que possuem um espírito
vasto, que enxergam as coisas com perspectivas discrepantes entre si, são os
únicos capazes de explicar com precisão o efeito que o aumento das
possibilidades causa em nós.
O desespero sufocante e aterrador, é
com isso que os seres cheios de espírito devem se acostumar, a princípio.
Detentores de possibilidades
variadas, os seres cheios de espírito permanecem tranquilos, serenos, até que
uma de suas possibilidades seja definida como sendo a direção para onde o
indivíduo deve seguir. Quando o intelecto do indivíduo começa a se restringir
em função de uma possibilidade em particular, todas as outras possibilidades se
tornam opressivas, aterrorizando o indivíduo até que esse se sinta desesperado.
Com a definição de uma das
possibilidades, aquilo que imaginávamos que essa possibilidade nos
proporcionaria acaba por se perder em meio à realidade, proporcionando-nos
resultados muito menores do que aqueles que esperávamos. Ao mesmo tempo que nos
frustramos com a nossa decisão, todas as nossas outras possibilidades —
que permanecem intactas na nossa mente, ainda apresentando os aspectos mais
incríveis e satisfatórios, que só existem nas profundezas do intelecto —
nos atormentam sobremaneira, fazendo com que nos sintamos ainda mais frustrados
com a decisão que restringe as outras possibilidades, que passaram a ser ainda
mais importantes para nós, ainda mais essenciais.
Funcionando como um ideal opressivo,
que torna a realidade insuportável, nossas mais variadas possibilidades fazem
com que nos amedrontemos com os aspectos que a realidade passa a nos
apresentar.
A decisão, que anteriormente nos
parecia ser tão correta, agora apenas nos oprime, nos aterroriza. Esse aspecto
negativo penetra na nossa mente, adquirindo proporções ainda mais
desesperadoras. Nosso espírito se torna um cenário completamente desolador,
fazendo com que sintamos uma dor profunda, como que se o mundo estivesse
desmoronando.
O desespero impele o indivíduo a
abandonar a decisão anteriormente definida, fazendo com que as possibilidades opressivas
voltem a se tornar possíveis, dessa forma deixando de causar dor.
Retornando à condição anterior de ausência
de definições, o espírito volta a apresentar um cenário satisfatório, fazendo
com que a alma se torne mais potente, mais ampla, característica essa que a aproxima
das dimensões do espírito, fazendo com que o indivíduo se sinta satisfeito.
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