segunda-feira, 13 de julho de 2015

Sem alma

Desde sempre tentei desenvolver e entender as minhas impressões, nessa minha busca contínua por aprimoramento conceitual adquiri uma quantidade absurdamente vasta de explicações, de modelos, que fui incapaz de refutar; tudo isso que adquiri pode ser considerado conhecimento.
Por causa dos meus desenvolvimentos contínuos, tornei-me aquilo que muitos classificam como ser sensível, alguém capaz de perceber muitas coisas, de interpretar e entender muito, quando deparado com situações onde as pessoas menos curiosas não conseguem perceber praticamente nada.
A pluralidade conceitual, que é a evidência mais gritante da minha curiosidade sem fim, permite que eu seja capaz de interpretar de forma múltipla, quando me deparo com um acontecimento qualquer. Perante às múltiplas possibilidades que eu me permiti possuir, geralmente termino por me encontrar completamente indeciso, olhando, cheio de dúvidas, uma vastidão interminável de caminhos, de possibilidades. Deparado com minhas múltiplas interpretações pude perceber que eu não era capaz de possuir uma alma, que eu não conseguia me posicionar com firmeza perante nada, pois tudo era vasto e cheio de interpretações. Como eu não conseguia me posicionar em relação aos mais diversos acontecimentos, como eu não conseguia criar um Eu exato, que me posicionasse no mundo, tornei-me alguém incapaz de sentir; eu era tão sensível, tão curioso, tão obstinado em me entender que me tornei alguém incapaz de sentir, incapaz de possuir uma alma.
Sem alma eu flutuava sem rumo pela vida; a moral também havia se tornado inútil para mim. Em meus desenvolvimentos intermináveis eu encontrava as consequências mais benéficas nos atos considerados imorais, assim como os enxergava como sendo realmente nocivos, ou sem consequências relevantes, tudo ao mesmo tempo. Então, por encontrar o bem no mal e o mal no bem, abandonei a moral, abandonei qualquer tipo de proposição exata e imutável, que tentasse estabelecer o que era benéfico ou nocivo para o indivíduo e para o todo.
Eu percebia e entendia muitas coisas, mas não era capaz de direcionar esse conhecimento para nada. Eu percebia a ineficiência dos meus esforços para tentar estabelecer parâmetros exatos e decidi me portar de uma nova maneira. Desisti de tentar encontrar conceitos fixos e passei a me preocupar em entender os motivos e o funcionamento da minha mente, que faziam com que eu interpretasse os acontecimentos de forma variada. Essa minha nova empreitada obteve êxito; comecei a me portar de forma diferente, compreendi que os conceitos fixos eram inúteis e que cada acontecimento é único, exigindo uma interpretação nova, que tenha relação direta com a situação analisada e não reproduza apenas uma interpretação antiga ou aquilo que desejamos enxergar; concentrado na maneira como funcionava minha mente e como esse funcionamento determinava minhas interpretações, fui capaz de ampliar, imensuravelmente, meus conhecimentos sobre o ser humano, sobre os animais, sobre a mente; devorei os livros escritos por indivíduos sem alma, e aprendi muito com eles, suguei o máximo que pude dessas pessoas raras, realmente inteligentes e perceptivas. Esse meu novo modo de ser fez com que meu conhecimento e a minha vida se desenvolvessem desenfreadamente, aproximando-se daquilo que as coisas realmente eram, gerando explicações que realmente pareciam elucidar as minhas sensações, as minhas percepções.
Eu me tornei um ser humano sem alma e sagrado, próximo de encarar as coisas da forma como elas realmente são, próximo de possuir a existência mais potente possível.

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