sábado, 17 de outubro de 2015

Escritos experimentais 2

          Desde muito cedo eu enxergava as coisas dessa forma, e desde muito cedo eu ficava impressionado com as resoluções exatas, as interpretações precisas das pessoas, que encaravam a realidade como sendo exatamente aquilo que elas pensavam ser. E, retornando à falta de pertencimento que passei a sentir quando me encontrava junto à minha família, sentia-me sempre impressionado em meu ambiente familiar, que possuía respostas exatas e imutáveis para todos os questionamentos, característica essa que me fez sentir, ainda mais, como se eu fosse um estrangeiro.
            Com o tempo minha discrepância passou a incomodar todas as pessoas com as quais eu convivia. Minha pluralidade e a falta de parâmetros específicos era nociva para todos aqueles que cultivavam, desde sempre, um ideal, uma meta, que os iludia e tornava a existência suportável. Para todos os iludidos eu representava a pior das ameaças; meu jeito os fazia questionarem seus ideais mais profundos e entorpecedores. Quando eles sentiam seus serem refutados, quando eles viam suas proposições absurdas e irreais se perdendo e não mais sendo capazes de esconder o vazio doloroso, eles se voltavam contra aquele que incitou esses acontecimentos deploráveis; dessa forma todos eles se voltavam contra mim, todos eles queriam rebaixar e desmerecer as minhas opiniões, a minha personalidade, a minha forma de enxergar as coisas. Todos almejavam me rebaixar, para que minhas opiniões fossem consideradas absurdas e provenientes de alguém sem razão, sem coerência, dessa maneira sendo eles capazes de afugentar e ignorar aquilo que ameaçava seus ideais.
            Toda a hostilidade que havia contra mim, às vezes me fazia questionar minha maneira incomum de ser; no entanto, eu nunca conseguia me submeter aos conceitos daqueles que tanto me odiavam. Por mais que eu me concentrasse para elaborar análises pormenorizadas e extensas, sempre me sentia incapaz de encontrar um raciocínio lógico irrefutável nos parâmetros tão essenciais e inquestionáveis das pessoas à minha volta.
            Cada vez mais isolado, cada vez mais discrepante, cada vez mais desprezado por todos, eu comecei a achar que possuía uma constituição que me diferenciava de todas as outras pessoas, e, por ser incapaz de encontrar alguém com quem me sentisse seguro para me relacionar, alguém que se parecesse comigo, que provavelmente me entenderia, tornei-me ainda mais reservado e recluso.
            Sem nunca conseguir concordar com nada que me era apresentado, e vivendo completamente isolado de tudo e de todos, tomei a decisão de tentar intensificar minhas buscas para encontrar alguém que se parecesse comigo. Direcionei essa minha empreitada rumo aos livros, rumo às constituições raríssimas, que talvez poderiam me fazer companhia. Como eu não concordava com nada, entrei em um site de busca e iniciei minha procura por pessoas com as quais eu poderia me identificar com a seguinte frase: Autores que não concordam com nada. Minha busca teve como resultado um autor com quem eu passei a me identificar de modo incomum, sendo ele o filósofo Friedrich Nietzsche.
            O primeiro livro dele que li foi: Para além do bem e do mal. Fiquei fascinado com o livro, desde a primeira página. Meu senso crítico apurado, finalmente, encontrou algo incapaz de ser profundamente desprezado, assim como a minha busca incessante por uma família, que percebi nunca ter possuído, finalmente foi recompensada, finalmente eu havia encontrado algo com o que poderia me relacionar.
            Meu novo amigo passou a me acompanhar em todos os lugares; sempre quando possível eu tentava ler alguma passagem de seus livros geniais. Muitas vezes eu permanecia imóvel, em algum canto da minha casa, pensando sobre as mais variadas informações contidas nos livros, tentando, de uma forma exaustiva, aprimorar, o máximo possível, o jeito como eu pensava, enxergava e classificava as coisas.
            As proposições com as quais me identifiquei nos livros de Nietzsche foram suas críticas ao cristianismo, sua crítica à moral – à definição inquestionável, dogmática, daquilo que seria o bem e o mal – e por último, mas não menos importante, fiquei fascinado com a definição do autor daquilo que seria o nosso impulso mais profundo e essencial, sendo ele a vontade de potência. Essas foram apenas algumas das ideias que mais me agradaram, mais me impressionaram, pois tudo em seus livros era mágico, transformador.
            Tenho de admitir que muitas críticas contidas em seus livros me passavam despercebidas, por causa da minha falta de conhecimento daqueles que eram criticados. Mesmo com a minha falta de erudição, não me desvencilhava da tarefa de entender tudo o que os seus livros propunham. Constantemente me via em meio a pesquisas intermináveis sobre Immanuel Kant e Arthur Schopenhauer, filósofos que me vi obrigado a conhecer, por serem constantemente citados nos livros.

CONT....

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