sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Escritos experimentais

           Antigamente, eu não era capaz de desconstruir minhas impressões e objetivos inconscientes. Naquela época eu ainda não possuía a profundidade de pensamento que possuo atualmente, assim como não possuía conhecimento suficiente para que me tornasse vitorioso, em minha empreitada corajosa, em busca da obtenção do controle absoluto dos meus pensamentos.
            Desde pequeno eu possuía pensamentos incomuns. Minha primeira lembrança ocorreu quando eu tinha apenas 3 anos, e, junto com ela, vi-me inundado por reflexões complexas. Em minha primeira lembrança eu estou perdido em uma praia, andando desesperado, procurando pela minha família que deveria se encontrar em algum lugar por ali. Cada novo grupo de pessoas que encontro, e que verifico não ser a minha família, faz com que meu desespero aumente; no entanto, em meio a essa procura intensa, eu paro por um instante; percebendo a minha falta de parâmetros para descrever aquilo que seriam meus parentes; eu me concentro para ser capaz de definir, com precisão, aquilo que procuro, para estabelecer, com exatidão, o lugar onde pertenço. Essa tarefa de classificação não dura mais do que um breve período; sem obter sucesso, eu me senti ainda mais desesperado, percebendo que não possuía qualquer tipo de parâmetro que definisse o lugar onde eu deveria estar, as pessoas com quem eu deveria estar. Esta constatação agravou ainda mais, ainda mais, a minha condição já delicada, fazendo com que as lágrimas começassem a deslizar, de maneira ininterrupta, pelo meu rosto. O cenário que se formava em minha mente era o mais desesperador, o mais absurdamente assustador e obscuro.
            No auge do meu desespero, o mundo à minha volta começou a apresentar aspectos incomuns, que se distanciavam da realidade com a qual eu sempre estive acostumado. Em meio a minhas vertigens, provenientes de um medo incomum, que se alastrou rapidamente pela minha mente, fazendo com tudo à minha volta apresentasse proporções exageradas e irreais, fiquei petrificado perante o cenário que era construído pela minha mente, sendo ele muito aquém de qualquer possibilidade real, muito aquém de qualquer tipo de controle que poderia ser exercido por mim.
            Não aguentando mais o desespero, eu me dirigi até uma família que me pareceu ser receptiva. Ao chegar, eu mal conseguia pronunciar qualquer tipo de sentença coerente. Felizmente, eles logo perceberam a minha situação e me levaram até um quiosque, onde fui anunciado por dois cantores que estavam tocando lá. Uma de minhas tias se encontrava nas proximidades do quiosque e me reconheceu. Ela agradeceu à família que havia me encontrado e me levou de volta ao lugar onde eu deveria estar, onde eu pertencia. Entretanto, eu não senti aquilo que esperava sentir, mas muito pelo contrário, eu me senti ainda mais confuso.
            Meus momentos desesperadores, enquanto eu estava perdido na praia, fizeram com que eu pesasse a refletir mais pormenorizadamente sobre o local onde eu pertencia. Ainda mantendo essa minha forma recém adquirida de analisar, olhei para as pessoas à minha volta, para o lugar onde eu deveria pertencer, e, por mais que eu me esforçasse, não consegui encontrar nenhuma característica que me fizesse sentir pertencente àquele lugar.
            Essa minha primeira lembrança é um cenário que sempre esteve presente em minha vida; sempre que tento descrever essa experiência a narro como se ela se encontrasse no presente, pois é dessa forma que a memória funciona. Quando nos lembramos de algo, fazemos com que ele se torne real novamente, fazemos com que ele se torne o nosso presente, e foi desse modo que enxerguei o acontecimento na praia enquanto o narrava. Novamente me vi percorrendo aquele local aterrorizante, que mudou minha vida para sempre. Como naquela época minha percepção ainda era diminuta, o cenário onde essa situação ocorreu é escasso em minha mente, carecendo de referências e de aspectos mais abrangentes, que eu me policio sobre maneira para não reconstruir, tendo como objetivo, com essa não construção, a conservação das características do acontecimento original, sem contaminá-lo com interpretações e conhecimentos posteriores, que poderiam deturpar a minha experiência original.
           Essas lembranças, que são frequentes, me mostram o quanto nossas interpretações e o mundo, que serve como base para a elaboração dessas concepções, são discrepantes, fazendo com que aquilo que enxergamos seja extremamente relativo, virtual. Desde pequeno, após analisar algumas das minhas memórias, eu percebia que havia a realidade, algumas características percebidas por nós - em meio à infinidade de aspectos que possui a realidade – e o mundo virtual que nossa mente criava para definir a realidade, tomando como base os poucos aspectos percebidos por nós. Junto com essas interpretações eu percebia o quanto nossas impressões sobre as coisas eram mutáveis, bastando apenas uma pequena mudança de perspectiva para que criemos um cenário, uma interpretação da realidade, completamente diferente daquilo com o que estávamos acostumados a enxergar.
                         CONT....

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